Quando o prato do dia revela mais do que o cardápio: os bastidores invisíveis da liderança
- pennaxavier
- há 2 dias
- 4 min de leitura
*Por: Frederico de Paula

Nem sempre o que move as decisões dentro de uma empresa está explícito. Muitas vezes, o que parece uma simples escolha esconde intenções que nem sempre são ditas em voz alta. Essas intenções, conhecidas como agendas ocultas, podem estar presentes tanto na liderança quanto entre os colaboradores. Quando não estão alinhadas com os objetivos coletivos, elas podem prejudicar a confiança, a colaboração e até os resultados da organização.
Um exemplo simples — e ao mesmo tempo revelador — é o de um grupo de diretores que vai almoçar junto. Todos pedem o prato do dia, exceto um, que opta por uma refeição mais cara e ainda por uma garrafa de vinho. Ao final, todos dividem a conta igualmente. O gesto causa desconforto, mesmo que ninguém fale nada abertamente. Será que houve má-fé? O diretor se acha mais importante que os demais? Ou foi só um comportamento rotineiro que nunca foi questionado? Ainda que não se conheçam as intenções reais por trás dessa atitude, ela produz efeitos concretos nas relações — e esse é justamente o ponto central das agendas ocultas.
No universo das organizações, o conceito de agenda oculta é amplamente estudado. Para John Kotter, todo líder opera com uma agenda, composta por motivações, prioridades e valores que direcionam suas escolhas. O problema é quando essa agenda deixa de ser comunicada com clareza ou, pior, entra em conflito com o discurso institucional. Os pesquisadores Chris Argyris e Donald Schön reforçam esse ponto ao diferenciarem a teoria professada — o que as pessoas dizem valorizar — da teoria em uso — aquilo que realmente orienta suas ações. É nesse espaço entre discurso e prática que muitas vezes surgem as agendas ocultas.
O comportamento do diretor no almoço pode ser interpretado como uma tentativa de afirmação de status, uma crença de merecimento especial ou simplesmente um hábito não refletido. Mas o impacto não está na intenção declarada, e sim na percepção dos demais. Quando ações como essa se repetem sem serem discutidas, elas criam ruídos e alimentam ressentimentos. E isso compromete um ativo invisível, porém fundamental em qualquer equipe: a confiança.
De acordo com Patrick Lencioni, a ausência de confiança é o primeiro degrau de uma escada de disfunções que levam ao fracasso dos times. Quando não há abertura para falar sobre incoerências ou para questionar comportamentos que parecem injustos, instala-se uma cultura de silêncio, desconfiança e, muitas vezes, cinismo.
As consequências das agendas ocultas podem ser muito mais graves do que um almoço desconfortável. Empresas como a Enron e a Volkswagen mostraram como interesses pessoais, quando encobertos por discursos bonitos e não confrontados por uma cultura ética forte, podem levar à manipulação, ao escândalo e até à falência. No caso da Enron, a busca por lucro a qualquer custo levou à criação de estruturas contábeis fraudulentas. Na Volkswagen, decisões foram tomadas para fraudar testes de emissão de poluentes, em nome de manter uma imagem de eficiência ambiental. Em ambos os casos, o que estava em jogo eram agendas não ditas, que foram toleradas — ou mesmo incentivadas — dentro da cultura organizacional.
Mas o oposto também é verdadeiro. Existem empresas que investem justamente na criação de culturas mais transparentes, com alinhamento de propósito e espaço para o diálogo. A Patagonia, por exemplo, tem práticas de governança que valorizam a coerência entre discurso e ação. A Natura, por sua vez, promove uma gestão baseada em valores compartilhados e responsabilidade coletiva. Nessas organizações, as agendas ocultas não desaparecem — afinal, fazem parte da natureza humana —, mas são reduzidas pela maneira como a cultura é construída.
Então, o que pode ser feito na prática para lidar com esse fenômeno? A gestão tem um papel central nesse processo. O primeiro passo é estabelecer regras claras e acordos justos, mesmo para situações aparentemente simples, como os almoços em grupo. Quando as expectativas estão explícitas, há menos espaço para mal-entendidos. Além disso, é fundamental que as decisões sejam baseadas em princípios e valores compartilhados. Líderes que pregam uma coisa e fazem outra perdem rapidamente a confiança de suas equipes. Os sistemas de metas, bonificações e reconhecimento também devem estar alinhados ao discurso da colaboração, e não recompensar apenas a performance individual ou o jogo político.
Outro ponto essencial é criar espaços seguros para feedbacks e conversas honestas. Quando há abertura para discutir comportamentos e percepções, muitos ruídos podem ser esclarecidos antes de virarem conflitos. E, por fim, é importante lembrar que o exemplo vem de cima. A postura da liderança tem um efeito multiplicador — tanto para o bem quanto para o mal.
Em resumo, agendas ocultas sempre existirão. O que muda é a forma como elas são tratadas dentro da cultura organizacional. Empresas maduras não são aquelas que eliminam os conflitos ou as diferenças de interesse, mas sim as que conseguem lidar com eles de forma ética, honesta e produtiva. O combate às agendas ocultas não se dá pelo controle total das intenções alheias — isso seria impossível. Ele se dá pela construção de uma cultura de responsabilidade mútua, coerência entre discurso e prática e um compromisso real com o bem coletivo.
Líderes que reconhecem a existência das agendas ocultas e adotam uma postura proativa diante delas se tornam agentes de transformação. E, nesse processo, ajudam a construir não apenas equipes mais saudáveis, mas também organizações mais resilientes, justas e sustentáveis.
* Conselheiro Fiscal da ABRH-MG e Gerente de Gestão e Serviços no Grupo Friopeças.
Comments